Uma casa #1
Dezembro 20, 2019
Casas vivas
A minha casa mudou de sítio. Fez-se pesada antes de entrar numa carrinha de mudanças, despediu-se das paredes onde viveu oito anos, subiu aos bocados para um terceiro andar e tem passado os últimos dias a instalar-se, com o caprichoso vagar de um felino. Esconde no fundo de sacos e caixotes objectos cujo paradeiro não tem vontade de denunciar. Amontoa-se como pode junto às paredes, encolhe quartos quando se espreguiça, tem de ser desbastada. Tem de ser domada. Esta casa, como as casas em geral, tem uma cartilha, que não depende das quatro paredes em que a fecham. Demora a aceitar novas coordenadas geográficas. Podemos respeitar as suas delongas mas se as não vigiarmos encontram forma de ganhar terreno, sorrateiras, caseiras como as casas podem ser. A minha casa, ainda mal refeita da mudança, permanece (em parte) encerrada em caixotes que aguardam o seu momento de liberdade. Enquanto espera, vai espreitando o prédio em frente, sobretudo aquela janela de estores esquecidos, onde descobre todos os dias a casa que poderia ser, se tivesse a liberdade de se espraiar como sonha.