Fazer sinais
Maio 05, 2022
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Maio 05, 2022
Março 02, 2022
No final do ano passado, juntei-me a um grupo intrépido, sensivelmente guiado pela Susana Moreira Marques, no curso "Mais próximo do mundo" da Associação Cultural Mombak. Desse processo - e tendo como ponto de partida algo que escrevi neste blogue em Agosto passado - nasceu este texto, sobre avós, esquecimento e recordações, sobre a genealogia como processo amplo e inconstante e não como propriedade estanque. Escrevi-o como se ainda fosse um miúdo de 10 anos. É portanto o gesto ingénuo de um rapaz que gostava de acreditar no poder revigorante da memória.
Podem lê-lo seguindo este link: https://www.revistapessoa.com/artigo/3438/esticar-a-corda
(Em Março, a Susana regressa com um novo curso - "Na primeira pessoa" - e as inscrições estão abertas. Avancem!)
Fevereiro 05, 2022
(Office in a Small City, Edward Hopper)
Escrevo porque não quero falar. Comecei a escrever quando as letras ainda ocupavam um lugar estranho, quando ainda não sabia bem como as casar umas com as outras. Falo de letras, não de palavras. As palavras, as frases vieram depois.
Escrevo porque falar me cansa. Continuei a escrever, mesmo quando as frases, todas seguidas, umas atrás das outras, me pareciam mais barulhentas do que a minha própria fala.
Escrevo como se não conseguisse falar. Uma página num computador parece ainda mais branca porque podemos aumentar a luminosidade do ecrã. Escrevi nessas alturas porque preencher essa brancura era uma forma de me manter calado.
Escrevo porque quero falar cada vez mais baixo. Quando olho para um texto acabado de nascer, congratulo-me por saber que se eu quiser mais ninguém o lerá. Sei que o posso apagar, basta pressionar uma tecla durante o tempo necessário. Posso guardá-lo e ficar a ouvi-lo a ecoar numa pasta de computador.
Mas também escrevo porque, por vezes, gosto que esse eco consiga escapar.
Janeiro 03, 2022
Sem querer, num dia de perfil luminoso, fomos parar a um cenário enevoado e de contornos esfumados, como são sempre os inícios.
De mês, de ano, seja do que for.
Outubro 11, 2021
(The Houses of Parliament, Sunset, Claude Monet)
Vamos lá ver se consigo explicar isto bem. Das traseiras da minha casa vejo prédios. De vez em quando, umas pessoas à janela, mas sobretudo prédios. Se abrir a janela da cozinha de par em par, vejo à minha esquerda a empena de um prédio que avança uns bons cinco metros para além do meu. É uma parede robusta, que reconhece a sua idade, na qual gostaria de ver desenhada alguma coisa. Se olhar em frente vejo duas filas de telhados, com telhas mais ou menos alaranjadas, mais ou menos enegrecidas, de acordo com a altura em que foram colocadas. Mais a frente, vejo três prédios mais altos, que cortam o horizonte. São eles próprios a linha do horizonte. Um é cor de rosa, o maior. Os outros dois já devem ter sido amarelos há muitos anos. Há outros prédios em frente depois desse mar triangular de telhados. Mas aquilo que me prende o olhar é o topo de um prédio mais alto, a uns bons 300 metros de distância. Dele apenas vejo uma especie de chaminé. Umas telhas pequenas, porque distantes. E ventiladores, daqueles simulacros de bola de espelhos que tornam telhados numa pista de dança vazia enquanto há Sol. No Verão, pelas 20h30, todos os prédios ao redor da minha casa descobrem-se pequenos de mais para se esticarem rumo à luz apaziguadora do final da tarde. Mas o topo desse outro prédio permanece ainda dourado durante uns minutos. Fico a olhá-lo, minuto a minuto, detido nesse eclipse vagaroso até os ventiladores perderem o seu cintilar. Faz-se noite no meu bairro.
Agosto 31, 2021
Agosto 24, 2021
vinhas do mar
espuma tíbias séculos
ou o teu corpo acostado ao pino do Verão
na praia da Amoreira, por exemplo
água rochedo snapshot
vinhas muito do mar
acelero o pensamento até uma noite
de Junho influenciando o passado - altíssimo
bairro a uma segunda-feira
para depois
dormirmos numa pensão em Coimbra
cigarros à janela
vista para a Cabra
partamos para Sul como num slogan
o Sol a marca do biquíni um indício de mar
roubarei de novo o carro aos pais
para ouvir outra vez o estrépito ameno do
teu gozo
repartimos a regueifa de Pardilhó com as formigas de Odeceixe
Agosto 16, 2021
Julho 28, 2021
Aguardava o nascer do Sol. No entanto os pássaros chilreavam há muito e da cidade já se ouviam os seus ruídos habituais, aqueles que nos garantem que ela já acordou - ou melhor, que nunca chegou a adormecer. O comboio a forçar os carris na sua jornada, os motores dos carros aqui e ali. Um silvo metálico cuja origem ficou por identificar. Um avião que cortou a paisagem, precisamente no local para onde os olhos, expectantes, apontavam na esperança de ver uma nesga do nascer do Sol.
Ele aguardava o nascer do Sol. No entanto, os pássaros continuavam a embalá-lo numa espécie de canto que pressagiava qualquer coisa de inicial. Se por aqui galos houvesse, eles ja teriam cantado. É uma afirmação, nao é uma interrogação. No entanto as plantas, as árvores - as pedras também - pareciam dormir ainda. Talvez fossem como a cidade, que nunca dorme. Ou melhor, que dorme quando adormecemos, e partilha connosco noites de insónia, tal como os melhores animais de estimação o fazem.
Naquela manhã de Julho... Já seria manhã? Ou ainda era madrugada? Agora são mesmo interrogações. Naquela manhã nebulosa de Julho, ele aguardava o nascer do Sol. No entanto, a luz já era total. Talvez o Sol tivesse nascido nas suas costas, enquanto tudo o resto acordava.
(escrito no Miradouro do Moinho das Três Cruzes, na floresta de Monsanto, durante o encontro Caminhar e Escrever - Ao Nascer do Sol, organizado pela Escrever Escrever)
Julho 18, 2021
- O que são aquelas tendas?
Atravessávamos todos os dias aquele viaduto sobre os carris que permitem o leva e traz à estação de Santa Apolónia. Continuamos a atravessá-lo todos os dias, mas isto aconteceu há uns anos, quando a Salomé trocou de cadeira no carro e passou a estar menos enterrada no seu lugar. Os olhos dela passaram a inventariar outras coisas para além do céu azul, das nuvens, do céu azul com nuvens, do céu cinzento de nuvens, dos pingos de chuva a baterem no vidro, dos postes de iluminação em fila uns atrás dos outros.
- O que são aquelas tendas, pai?
Atravessámos tantas vezes aquele viaduto. Não havia como escapar-lhe no caminho de casa para a creche e da creche para casa. Aquelas tendas sempre estiveram lá, camufladas entre pilares grossos, uma terra de ninguém sobrelotada, a sombra da sombra da sombra da cidade em marcha. Expliquei-lhe que havia quem dormisse ali, por não ter casa. Aguardei mais perguntas, mas elas surgiram apenas alguns dias mais tarde. Em vez disso, enquanto avançávamos naquele dia, a Salomé fixou o olhar nas tendas verdes a partir do seu recém-estreado miradouro no banco de trás do carro. Na altura pensei: ganhar consciência é sair do ovo para a cadeira.
*
Quando era miúdo e vinha a Lisboa visitar a minha avó aos fins-de-semana, passava sempre por um café de bairro (que obviamente já não existe, porque isto aconteceu num tempo em que qualquer loja de bairro não precisava de ter a palavra bairro escrita à frente do nome para que o identificássemos como tal). Mesmo à porta desse café, alguém tinha colado uma moeda no chão de calçada portuguesa, bem posicionada para que os residentes habituais da esplanada pudessem assistir em primeira mão à emboscada. As pessoas caminhavam distraídas pela Rua D. Estefânia, aquelas que iam de olhos no chão, e estacavam mesmo ali à frente. Baixavam-se como quem não quer a coisa e tentavam apanhar a moeda, às vezes demorando a entender que ela nunca iria sair dali. Muitas vezes, nem reparavam nos risos dos clientes habituais do café, sentados na esplanada como se estivessem na primeira fila de um espectáculo. Quando reparavam, já era demasiado tarde. Tinham sido apanhados e aí o público perdia a vergonha e ria sem pruridos. Também eu fui apanhado. Também acreditei que andar de olhos pregados no chão me iria valer uma moeda de duzentos escudos. Também eu levei calduços na escola por caminhar de cabeça baixa, olhos perdidos no chão - ou talvez fosse de cabeça baixa precisamente por saber que iria apanhá-los e talvez se não os visse a sensação de dor fosse menos evidente. Na altura pensei: olhar para baixo é uma cilada.
*
Há uns meses, a Salomé pediu-nos para ir andar de trotineta "naquele sítio com círculos, rectângulos e quadrados". Tentámos responder ao pedido, lançámos várias hipóteses sem sucesso. Falávamos de parques, mas ela respondia-nos com um sítio de chão rosa e com o dedo desenhava no ar as formas geométricas que lá havia. Após algumas tentativas, desistimos e seguimos para o Campo das Cebolas, porque era amplo e já não íamos lá há algum tempo. Quando chegámos, olhei para o chão. Foi isto que vimos:
Ali estava o chão rosado, com círculos, rectângulos e até semi-círculos de vários tamanhos, que ficou gravado na memória da Salomé embora não na minha. Provavelmente porque comecei a resistir a prender o meu olhar no chão, por estar preso aquele juízo que dá por certo que quem olha para baixo são os tolos, os desalentados, o Charlie Brown. Na altura pensei: olhar para baixo pode ser bom, no fim de contas, para ver onde ponho os pés, por exemplo.
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