Fazer um pum
Maio 19, 2023
(Girl with Bears, Wendy McMurdo, 1999)
A Júlia diz: "eu fiz um arroto".
A Júlia, quase a pôr as mãos nos quatro anos, diz-me: "eu fiz um pum".
Ela não dá um pum, nem um arroto. Ela é a responsável pela sua existência. Faz e valoriza cada uma dessas interrupções do quotidiano como um fenómeno surpreendente. Di-lo sempre a sorrir. Faz troça do mundo, uma ventosidade de cada vez.
A Júlia faz coisas. Todos os dias.
Todos os dias ocupa-se de coisas pela primeira vez, pela segunda vez, pela terceira vez, pela centésima vez. O mundo acontece, ininterruptamente, à sua frente - embora suspeite que a Júlia acredita que o mundo, na verdade, anda atrás dela.
Mesmo quando as coisas não são novas - um jogo, cavalitas, um truque de magia, cócegas, tão-balalão, um filme de animação - reage com um entusiasmo primordial. Há um maravilhamento reservado a quem ainda faz os seus puns e arrotos.
A Júlia diz: "repete!"
A Júlia, a andar à frente do mundo, diz-me: "outra vez!"
De cada vez que ela anuncia mais um feito, planta em mim uma inquietação.
Não me consigo lembrar da última vez que fiz alguma coisa.