Mortos-vivos, tortura e guerras frias
Fevereiro 11, 2017
Parecia pequena, como um cacto dentro de um vaso. Parecia um senhor, como se parecem os senhores que usam casacos de cabedal. Parecia quieta, como os quietos. Estava num táxi como quem está num sofá. Falava de mortos-vivos como quem fala de familiares. Repetia que os zombies eram lixados e insistentes, como zombies. Descobria-os todos os dias num ecrã de computador. Dizia que eu tinha de ir lá vê-los, ao "Day Z". Falava desse jogo, que se passava num cenário pós-apocalíptico, como se no exterior do táxi tudo estivesse bem. Jogava com portugueses, franceses, americanos, russos, chineses... Dizia que os americanos são convencidos. Manhosos.
Juntou-se aos russos. Contou-me que um dia algemou um americano. Nesse dia chegaram os russos e perguntaram-lhe de onde é que tinha saído aquele prisioneiro. Disse-lhes que era um americano. Eles disseram "Ai é?" E depois do "Ai é?" disseram que o iam torturar. "Ai não vão nada", respondeu. "Vamos pô-lo na cadeia", disse-lhes. "E depois logo se vê".