Filmar tudo
Junho 04, 2012
Regressamos sempre aos primeiros planos, balançando no eterno hesitar das ondas: a silhueta de um rochedo, uma ilha a formar-se à nossa frente. E regressamos às informações mil vezes reproduzidas: um isolamento de 6 por 4 quilómetros, uma vila com apenas 440 habitantes. O desejo assumido no início afigura-se razoável. "Filmar tudo. Estar em todo o lado ao mesmo tempo." Felizmente a sofreguidão não é um traço do olhar de Gonçalo Tocha.
No seu registo imersivo, "É na Terra não é na Lua" é tocado pela efemeridade das primeiras vezes (como as que o antigo Cabo do Mar, Óscar Nunes, anotou nos seus cadernos - primeiro avião na ilha, primeiro dia com electricidade). Estamos em território de descobertas renovado pela consciência singular do maravilhamento.
Trata-se de "filmar tudo" - os aviões, as caras, a matança do porco, o cais, o mar, a vigia da baleia, o "Traineira" travestido de discoteca - mas, sendo impossível, arriscamos entrar no passado através do mais poderoso dos instrumentos: a memória. Trata-se também de não conseguir "filmar tudo" mas, pelo menos, recontá-lo: o observador de aves que vomitou perante a ave rara, os documentos que nunca iremos ver porque Óscar os destruiu. Explosões, mas em surdina.
Abandonada a ilha, numa sala de cinema, regressamos à silhueta do rochedo e acreditamos que o Corvo se manterá ali no meio do Atlântico. Mas regressamos também ao lado efémero destas três horas de viagem e duvidamos se algum dia terá existido. Nem na Terra, quanto mais na Lua.