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Longitudinal

Que já só penso no Verão do próximo ano

Julho 01, 2016

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Que hoje esteve calor, que já é Verão, que não devias andar com a cabeça a descoberto, que afinal ainda não está tempo de ir à praia, que o que me apetecia agora era mesmo um mergulho, que a água do mar está muito fria, que as ondas estão muito fortes, que hoje não há ondas e isto mais parece uma piscina de crianças, que a praia está a abarrotar, que está muito vento, que tenho areia em todos os refegos do corpo, que afinal o tempo já está mesmo de praia, que se aqueles miúdos me voltam a acertar com a bola nem sabem o que lhes acontece, que o trânsito para a praia estava infernal, que hoje a praia estava impossível, que não consigo acreditar que ainda há quem traga tachos e panelas para a praia, que tenho fome e só trouxe uma sandes de queijo e um iogurte, que dava o meu reino por um gelado no final de um dia na praia, que acho que já estou a ficar bronzeado, que os dias estão mesmo mais longos, que as saídas à noite estão cada vez mais longas, que tenho o livro cheio de grãos de areia, que os dias começam a parecer mais curtos outra vez, que ontem já tive de carregar a geleira e o chapéu de sol portanto hoje é a tua vez, que me sabe bem regressar a casa com a pele encascada do sal e da areia e ter de baixar a pala no carro para não ficar encandeado, que devo ter perdido os óculos de sol algures, que os dias estão mesmo a ficar mais curtos, que ontem não estava quase ninguém na praia, que hoje já fazia falta um tapa-vento, que afinal os óculos de sol estavam no porta-bagagens, que ninguém merece andar estes quilómetros todos e estar bandeira vermelha, que hoje nem vou espalhar protector solar, que não vou andar quilómetros e quilómetros de carro para chegar lá e o tempo estar péssimo, que os dias estão mais curtos, que hoje já esteve mais frio, que já só penso no Verão do próximo ano.

 

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Não confio num Outono...

Setembro 28, 2015

Não confio num Outono que aparece às nove da manhã de um dia útil. Ainda por cima com uma precisão em desuso; ninguém agenda o seu regresso, quase um ano depois de ter partido, para as nove e vinte da manhã. Sobretudo, ninguém decide anunciar o reinício do arrefecimento geral numa gloriosa manhã de sol - a não ser que reconheçamos no gesto a assinatura de um sádico. Não confio em Outonos, posso generalizar. Como não acredito em paliativos. Nem em simulacros. Só nos resta rejeitar uma estação que sobrevive em exclusiva dependência da sua sucessora. E nem a melancólica encenação do ritual das folhas caducas a resgata dessa vagueza. Porque nunca conheci Outono feliz. Não me recordo de alguém ter combinado estes dois conceitos, mais do que palavras, numa frase. A não ser eu, há uma linha, precisamente para negar a sua união. Mas não me permito generalizações. Uma certeza: não o vivi. Nunca soube encontrar consolo nessa branda passagem de testemunho que a meia-estação ilude.

 

À janela da cozinha tenho um galo meteorológico. Todas as manhãs confirmo a minha suspeita. Desde que o Outono começou, a superfície aveludada do galo nunca deixou de ser azul. (O azul significa que estará sol, o cor-de-rosa chuva; a exactidão só não é assustadora porque se trata de um galo de plástico que prediz o estado do tempo e estamos na dimensão das coisas irreais mas definitivamente possíveis.) Antes de saciar a fome, mastigo em silêncio mais um falhanço do Outono. Que venha a chuva e a estação verdadeira. As folhas já caíram há muito.

 

Estado actual #38

Novembro 17, 2014

Na minha rua as janelas já não estão abertas à noite, quando passeio com a minha cadela.

Se bem me lembro, há umas semanas ainda conseguia espreitar as casas dos rés de chão - intrometer-me de soslaio no equilíbrio da sua vida quotidiana.

Mas isto foi antes de o Verão dar lugar ao Outono. Antes de as noites passarem a ser mais ventiladas.

Foi até antes de, depois de dez anos de viagem, uma sonda ter pousado num cometa, ter feito o seu trabalho e ter caído inanimada com a sensação de dever cumprido.

 

 

Estado Actual #33

Setembro 06, 2012

 

 

 

Perdemos o vento a silvar entre tapa-ventos, guarda-sóis estandardizados, selvas de pano colorido enterrados pela areia… E a praia tornou-se um cemitério no qual nos enterramos voluntariamente. De modo lento, conscientes da distância que a maioria procura cumprir, começam a arrastar-se à minha volta. Vejo dezenas de famílias a chegar. Chegam tão tristes e vagarosas, aborrecidas desde o primeiro minuto. Aburguesando-se aos poucos num piquenique frugal de iogurtes diet, sanduíches leves e bocejos. Nem uma talhada de melão, nem um só damasco, nem "pão-de-ló molhado em malvasia".

 

Abandonámos os elementos naturais. O mar é apenas paisagem que se subjuga, com a excepção de algumas vagas cuja obstinação não esconde, ainda assim, o seu propósito cenográfico. Rebolamos nas ondas com a mesma vontade com que nos dirigimos todos os dias, à mesma hora, em direcção ao emprego. E mergulhamos, depois de uma entrada medrosa, sem o fulgor que a água fria de outros tempos nos exigiu durante anos. O tédio apoderou-se do estio, e em cada par de seios procuramos, sem nunca desfrutar, "o ramalhete rubro das papoulas". O Verão acabou. Não apenas por agora e durante três estações.

 

O Verão acabou.

 

 

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