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Longitudinal

Quando formos livres

Março 01, 2021

"Ela sempre recusara a ideia de que os filhos pudessem ser um entrave ao seu êxito, à sua liberdade. Como uma âncora que nos puxa para o fundo, que arrasta o rosto afogado pela lama. A princípio, essa tomada de consciência fê-la mergulhar numa profunda tristeza. Achava isso injusto, terrivelmente frustrante. Percebeu que nunca mais poderia viver sem ter a sensação de estar incompleta, de fazer mal as coisas, de sacrificar uma parte da sua vida em prol de outrem. Tinha feito um drama, recusando-se a renunciar ao sonho da maternidade ideal. Teimando em pensar que tudo era possível, que alcançaria os seus objectivos, que não ficaria nem amarga, nem esgotada. Que não faria nem de mártir, nem de Mãe Coragem.

Todos os dias, ou quase, Myriam recebe notificações da sua amiga Emma, que publica nas redes sociais retratos em tom sépia dos seus dois filhos louros. Crianças perfeitas que brincam num parque infantil e que Emma matriculou numa escola que desenvolverá os dons que ela já adivinha neles, em tão tenra idade. Deu-lhes nomes impronunciáveis, provenientes da mitologia nórdica e cujo significao adora explicar. Nessas fotografias, também Emma é uma figura linda. Quanto ao marido, nunca aparece, eternamente confinado ao papel de fotografar uma família ideal à qual só pertence como espectador. E, no entanto, ele esforça-se por encaixar no molde: usa barba, camisolas de lã natural, vai trabalhar de calças justas e desconfortáveis.

Myriam jamais se atreveria a confiar a Emma o pensamento fugaz que a atravessa, a ideia, que não é cruel, mas vergonhosa, que a perpassa ao observar Louise com os seus filhos. Só seremos felizes, diz ela para si própria, quando não precisarmos uns dos outros. Quando pudermos viver uma vida nossa, uma vida que nos pertença, que não diga respeito aos outros. Quando formos livres."

 

(Canção Doce, Leïla Slimani, 2016)

 

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