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Longitudinal

Havia, há um dia

Setembro 24, 2024

Havia, há um dia, quem chinelasse pela carruagem do comboio, os pequeníssimos grãos de areia em debandada perna abaixo até ao piso azul salpicado de estrelas brancas de microplástico, como aquele outro lençol em constante emoção que vem ao nosso encontro junto ao areal, há bem pouco tempo havia quem transportasse até à barriga da perna o que sobrava de uma jornada plena de ócio, atirada à cara de quem passou pelas férias sem pisar um areal, nem sequer um peixe-aranha mais atrevido, e nem sentiu falta desse mergulho a seco no Verão, nem do mergulho a sério na àgua com sal e plásticos, macro ou micro, ainda há um mês havia pouco espaço na carruagem para entrar, era preciso furar pelo meio dos corpos adolescentes, colados entre si como se o sal os prendesse uns aos outros após um dia inteiro na praia, talvez apenas uma tarde, já que nesta idade basta uma tarde para gastar quase uma vida inteira, até há uma hora, parece-me agora, ainda os via adormecidos nos bancos do comboio, amontoados como despojos de uma batalha, mas das felizes, com os seus penteados todos iguais, as suas roupas idênticas, a dormir com um escaldão bem vivido, ou ainda a pingar, de pé, uma poça a crescer no meio da carruagem, a praia possível de Belém ao Cais Sodré, o Verão praticável, havia qualquer coisa de Outono nesse Verão, talvez a culpa seja do ar condicionado.

 

 
 

Não confio num Outono...

Setembro 28, 2015

Não confio num Outono que aparece às nove da manhã de um dia útil. Ainda por cima com uma precisão em desuso; ninguém agenda o seu regresso, quase um ano depois de ter partido, para as nove e vinte da manhã. Sobretudo, ninguém decide anunciar o reinício do arrefecimento geral numa gloriosa manhã de sol - a não ser que reconheçamos no gesto a assinatura de um sádico. Não confio em Outonos, posso generalizar. Como não acredito em paliativos. Nem em simulacros. Só nos resta rejeitar uma estação que sobrevive em exclusiva dependência da sua sucessora. E nem a melancólica encenação do ritual das folhas caducas a resgata dessa vagueza. Porque nunca conheci Outono feliz. Não me recordo de alguém ter combinado estes dois conceitos, mais do que palavras, numa frase. A não ser eu, há uma linha, precisamente para negar a sua união. Mas não me permito generalizações. Uma certeza: não o vivi. Nunca soube encontrar consolo nessa branda passagem de testemunho que a meia-estação ilude.

 

À janela da cozinha tenho um galo meteorológico. Todas as manhãs confirmo a minha suspeita. Desde que o Outono começou, a superfície aveludada do galo nunca deixou de ser azul. (O azul significa que estará sol, o cor-de-rosa chuva; a exactidão só não é assustadora porque se trata de um galo de plástico que prediz o estado do tempo e estamos na dimensão das coisas irreais mas definitivamente possíveis.) Antes de saciar a fome, mastigo em silêncio mais um falhanço do Outono. Que venha a chuva e a estação verdadeira. As folhas já caíram há muito.

 

Estado actual #38

Novembro 17, 2014

Na minha rua as janelas já não estão abertas à noite, quando passeio com a minha cadela.

Se bem me lembro, há umas semanas ainda conseguia espreitar as casas dos rés de chão - intrometer-me de soslaio no equilíbrio da sua vida quotidiana.

Mas isto foi antes de o Verão dar lugar ao Outono. Antes de as noites passarem a ser mais ventiladas.

Foi até antes de, depois de dez anos de viagem, uma sonda ter pousado num cometa, ter feito o seu trabalho e ter caído inanimada com a sensação de dever cumprido.

 

 

Estado actual #12

Novembro 29, 2009

 

Frio na rua, o céu a pingar, e nós aqui, confortáveis e aconchegados dentro de casa. Tudo bem. Se estes pensamentos vulgares existem é porque têm alguma coisa de verdadeiro. Mas este chavão não vale nada se não acrescentarmos logo a seguir: «e empanturrado de castanhas cozidas».

 

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